Normatizado pela Resolução CFC 1.412/2012, cuja base assenta-se no Pronunciamento Técnico CPC 30 (R1) (International Accounting Standards – IAS 18 do International Accounting Standards Board – IASB), o reconhecimento da receita tem sido pródigo em gerar casos emblemáticos que se posicionam em um limbo entre a fraude e o erro.

No passado recente, o país registrou diversos casos de ambos os tipos e muitos despertaram as atenções, alguns deles por envolver empresas importantes para o mercado e, fundamentalmente, surgidas do esforço de grandes empreendedores. Mas é certo, no entanto, que todas as ocorrências do gênero merecem um estudo mais aprofundado, independentemente de suas origens e causas. A TAM Linhas Aéreas, e o então Banco PanAmericano – hoje Banco Pan –são apenas dois deles.

Em 2012, a TAM apresentou erros na contabilização de passagens que mudaram completamente suas demonstrações contábeis do exercício. Em uma reapresentação das demonstrações contábeis daquele ano, o patrimônio líquido da empresa ficou negativo (passivo a descoberto) em R$ 901 milhões. Este fato significa que as dívidas e compromissos financeiros superavam seus ativos no período. No balanço original, o patrimônio era de R$ 532 milhões.

O problema ocorreu no modo como eram reconhecidas as receitas com passagens antecipadas – aquelas que foram emitidas, mas ainda não utilizadas –, que geraram um ajuste negativo de R$ 1,1 bilhão.

A administração da TAM atribuiu tal erro à fragilidade do sistema de controles internos no reconhecimento da receita, problema sanado no exercício de 2012.

O próprio texto da Resolução CFC nº 1.412/2012 explica com nitidez que falha foi cometida: … na venda de ingressos em eventos, as receitas provenientes de apresentações artísticas, banquetes e outros eventos especiais devem ser reconhecidas quando o evento ocorrer. Quando os ingressos para uma série de eventos forem vendidos, a comissão deve ser alocada a cada evento em base que reflita a extensão em que os serviços são prestados para cada evento.

Para ilustrar o erro existente nas demonstrações contábeis da TAM, note-se que as notas explicativas da GOL (sua concorrente direta no mercado brasileiro) ,em 31 de dezembro de 2012, reconhecem a receita proveniente de passagens quando o transporte aéreo é efetivamente prestado.

Os bilhetes vendidos, mas ainda não utilizados, são registrados como transportes a executar, representando, portanto, uma receita antecipada (adiantamento de clientes) de bilhetes vendidos a serem transportados em data futura, líquido dos bilhetes que expirarão de acordo com a expectativa da companhia, considerando dados históricos.

Não se pretende aqui, evidentemente, julgar se houve erro ou fraude nas demonstrações financeiras originais da companhia aérea, até porque não conhecemos com detalhes o que ocorreu, mas apenas mostrar o quanto é complexo o reconhecimento das receitas, ou seja, o momento exato em que elas se concretizam, algo que deve ser estabelecido sempre de forma clara e inequívoca, conforme ensina este episódio emblemático.

O caso da TAM revela erros que aparentemente não decorrem de fraude na contabilidade, mas sim de deficiências de controle interno, sem o conhecimento dos seus contadores e auditores sobre a interpretação das normas contábeis à luz daquelas operações, o que acabou gerando efeitos relevantes nos resultados demonstrados.

Mas quando analisamos as fraudes contábeis genuínas, invariavelmente a receita também é uma das áreas mais afetadas. Chamam a atenção neste campo problemas como o ocorrido com o então Banco PanAmericano, que inflava seus balanços por meio do registro de carteiras de créditos que haviam sido vendidas a outras instituições como parte de seu patrimônio.

Este subterfúgio permitiu à instituição que o valor da empresa fosse incrementado antes da abertura de seu capital, em novembro de 2007, conforme reportagem especial publicada no site da revista Veja(http://veja.abril.com.br/tema/panamericano).

Outro exemplo generalizado no Brasil de incongruência nesta área é o reconhecimento da receita proveniente da venda de mercadorias e produtos pela emissão de notas fiscais, ignorando com isso a necessidade de se satisfazerem algumas condições.

A primeira delas remete ao momento em que a entidade transfere para o comprador os riscos e benefícios mais significativos inerentes à propriedade, gestão e controle dos bens.

As demais condições exigidas são que: o valor da receita possa ser mensurado com confiabilidade; os benefícios econômicos associados à transação fluam para a entidade; e as despesas incorridas ou a serem incorridas, referentes à transação, possam ser mensuradas de forma igualmente confiável.

É evidente que a mera emissão da nota fiscal não pode ser reconhecida como receita. Ao agir dessa forma, não se adota nem regime de competência nem de caixa, além de contrariar frontalmente a estrutura conceitual da contabilidade contemporânea, isto é, a essência deve sempre prevalecer sobre a forma.

Fica ainda como lição disso tudo a necessidade de que contadores e auditores tenham pleno entendimento do sistema de controle interno das empresas que atendem, identificando as fraquezas e reportando-as no devido tempo para que se evitem distorções como as aqui rememoradas. Afinal, a contabilidade internacional trouxe novos desafios para a elaboração das demonstrações contábeis, tornando a governança corporativa ferramenta imprescindível.

O mesmo raciocínio estende-se à esfera da auditoria independente. Após iniciar um trabalho do gênero, este profissional deve realizar todos os procedimentos possíveis e necessários, suficientes para fundamentar sua opinião. Do contrário, não tem como identificar, com clareza, todas as fraquezas que passíveis de originar erros ou fraudes, deixando brechas que poderão, mais cedo ou mais tarde, motivar casos de manipulação que não deixariam margem sequer ao beneficio da dúvida suscitada no título deste artigo texto.

(*) Marco Antonio Papini é sócio-diretor da Map Auditores Independentes e vice-presidente da CPAAI Latin America.

 

FONTE: Portal contabeis